O que N*Ã*O vão ler aqui hoje porque nos aborrece alongar-nos sobre o assunto, particularmente sendo este um exercício inútil: o breakdown de sentidos para os quais faríamos as habituais - apliquem sempre a máxima "este gaijo tem a mania do three is a magic number" - sugestões de leitura em camadas.
Neste caso: a) para os mais lentos na classe: o literal, falaríamos de BD e inteligência artificial; b) piscar de olhos ao inner gang que cruza referências: upgrade high-tech à obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica e c) o punx-on-a-mission: equiparação irónica do "obra de BD" com o "obra de arte" e a não menos jocosa intenção de downplay de uma suposta "inteligência artificial" por paridade aos processos mecânicos de "reprodutibilidade técnica", a jeito de lhe negar qualquer insight digno desse valor: é inteligência, mas artificial.
Mas aborrece-nos a inutilidade do exercício. Somos um flash que já passou, um ponto ínfimo de um universo absolutamente abismal que nos é impossível de aprender pela mera magnitude da sua escala: existem no cosmos paisagens de uma beleza aterradora muito além do que a nossa imaginação nos permite sonhar, ----
- e, no entanto, porque ninguém está lá para as ver, todas essas paisagens são, para todos os efeitos, irrelevantes. O abismal universo que nos rodeia só o é se e quando o testemunhamos.
Aos atrasados na turma, isto quer dizer que o "bonito ou feio" não está no objecto, está em quem os vê. Ie: precisamos do "humano" na equação.
E é aqui que tudo se fode.
A BD como "bonitinho", ie, mero exercício de estilo, é uma decomposição gráfica de regras visuais que podem ser estudadas e ensinadas – e são-no. E reproduzidas - o "mecanicamente" que simplesmente pede para se acrescentar é obviamente nosso, pura maldade. Logo: programadas. Logo, será possível, eventualmente, que não só os androides sonhem com ovelhas elétricas (o titulo sacámos daqui) como venham de futuro atribuir-lhe sequência, movimento, ou, u-guess-it, dividi-las por pranchas de modo tão lógico e funcional que emanem mais proporções divinas ou correlações de planos por quadradinho que alguma vez julgámos possível.
Mas apesar de "bonitinhas" e do level up cognitivo continuamos a precisar do humano no processo, e agora já não nos referimos apenas à contemplação das mesmas: nesse putativo estágio de desenvolvimento tão avançado de inteligência artificial precisamos do humano além da interpretação da obra e também na sua execução.
E esse é todo o problema.
Ao burrinho da turma: se o universo só é bonito ou feio à escala humana, é-o porque estes são os únicos que conhecemos capazes de o apreciar: as regras mudam drasticamente quando descobres que não estás mais sozinho neste.
Ou seja,
Não ignoramos que um tal estágio de desenvolvimento certamente dominará igualmente o discurso a ponto de –além de desenhar- escrever toda uma BD.
Antevemos mesmo um tal grau de automatismo que a Marvel lance toda uma linha de comics a ser personalizada pelo fan-boy no momento da compra no ipad-thingy-cena-imersiva-implante-neuronal, no qual este pode parametrizar a história como a quer: o herói ou anti-herói, o vilão, as roupas de ambos, o tamanho do busto e das ancas das personagens femininas, com ou sem sequência de violação explícita, e ainda faz um check na box do “random guest appearence” antes do sistema lhe gerar uma BD completa e personalizada aos seus gostos.
Mas, insistimos: se uma máquina pode produzir o bonitinho tal acontece porque essas regras são-nos conhecidas e porque visualmente a abstração da nossa compreensão das mesmas nos permite retirar destas qualquer interpretação significativa. As regras visuais são – sorry u ladies! – superficiais o suficiente para nos permitir com sucesso quer a sua simulação como a atribuição de um qualquer significante do resultado alcançado.
Mas,
Um automatismo que escreva um argumento inteiramente original sequenciando regras de sintaxe e semântica com tópicos que lhe são alimentados não consegue alcançar essa plenitude narrativa com igual grau de sucesso. Por mais inteligente que seja, a prosa resultante será sempre próxima de um automatismo porque lhe falta aquela outra dimensão que arriscamos dizer nunca ser possível de “mecanizar”: a emoção humana.
Nesse sentido concordamos com a seguinte afirmação:
Existem projectos que ganham predominância por serem majestosas construções das estruturas específicas da visualidade da banda desenhada, e outros em que é a qualidade narrativa que os acaba por tornar incontornáveis.
Pedro Moura in Ler BD
Mas discordamos do seu autor quando nos parece que os primeiros podem ser feitos por máquinas, os segundos não.
Acompanhamos as mais diversas bandas desenhadas de modo provavelmente não muito saudável e apesar de possivelmente mais atentos que uma boa maioria de leitores criamos dessas observações categorias completamente díspares onde as arrumamos sem qualquer cedência a compromissos de sensatez. E como tal continuamos a julgar tais projectos hierarquicamente como sempre o fizemos neste espaço: o artsy-fartsy é música de elevador, ruído ambiente, papel de parede.
"for I am a light in tha dark"
e como sou estúpido, cortei-me a Bruxelas no que é provavelmente o dia mais relevante desta europa nos últimos 20 anos! fuck me! e politica aside, parece que tb há lá alguma tradição de BD... não sei, ouvi dizer... (note-se o desprezo ao franco-belga! não é só o spandex que nos coça da forma errada :)