A verdade é que a insubordinação ideológica dos grupos subordinados também assume uma forma eminentemente pública em elementos da cultura tradicional ou popular. Porém, dadas as condições de inferioridade política que os portadores dessa cultura popular habitualmente enfrentam, a sua manifestação pública tende a observar os limites de uma conduta apropriada. A expressão pública da insubordinação tem de ser suficientemente directa, por um lado, e suficientemente dissimulada, por outro, para permitir duas leituras, sendo uma delas inócua.
Ainda a propósito de cultura, decadência, e revoluções, algumas notas.
Recordámo-nos outras leituras que já citámos aqui por esta altura no ano passado. A lembrar os teens e não-tão-teens mas igualmente precários que amanhã regressam ao grind, e também os que passaram o fds de headphones pushin’ buttons ou de avental flipping’ burgers: a mudança começa em ti mas não precisas de o fazer sozinho, procura os sinais.
James C. Scott "A Dominação e a Arte da Resistência"
Os principais elementos da cultura popular (por oposição à da elite) podem incorporar significados potencialmente corrosivos, quando não antagónicos, da sua interpretação oficial. Há pelo menos três razões para que a cultura dos grupos subordinados reflicta o contrabando de partes do discurso oculto, adequadamente encobertas, para a arena pública.
a) Características partilhadas:
A singularidade da expressão cultural dos grupos subordinados deve-se, em grande medida, ao facto de, pelo menos neste domínio, o processo de seleção cultural ser relativamente democrático. Com efeito, os praticantes desta cultura (...) criam novas práticas e artefactos culturais que vão ao encontro das suas necessidades. Aquilo que sobrevive e floresce no seio da cultura popular (...) depende amplamente do que eles decidirem aceitar e transmitir.
b) Plebeus menos entusiásticos na adopção desses pressupostos:
A segunda razão que poderá levar os grupos subordinados a querer encontrar formas de exprimir visões dissonantes através da sua vida cultural é a simples necessidade de responder a uma cultura oficial que é quase sempre degradante. A cultura dos aristocratas destina-se, em grande medida, a distinguir esses grupos dominantes das massas (...) que têm ao seu serviço. (...) A dignidade cultural e o estatuto dos grupos dominantes são normalmente estabelecidos através do aviltamento e das humilhações sistematicamente impostas às classes subordinadas.
c) Disfarce:
A terceira razão que permite que os grupos subordinados subvertam as normas culturais autorizadas é o facto de a expressão cultural, em virtude da sua polivalência simbólica e metafórica, se prestar naturalmente ao disfarce. (...) podem, através de uma utilização subtil dos respectivos códigos, ser indirectamente dotados de sentidos que serão acessíveis a um determinado público-alvo e, ao mesmo tempo, opacos para outro público que os actores desejam excluir. Alternativamente, o público excluído (e, neste caso, poderoso) pode apreender a mensagem subversiva por detrás da actuação, mas terá dificuldades em reagir à subversão por esta estar camuflada em termos que também permitem defender uma interpretação perfeitamente inocente.
Mesmo livro, algumas páginas antes a propósito das “formas elementares de disfarce":
Os grupos subordinados têm de encontrar maneiras prudentes de fazer passar a sua mensagem sem violar os limites da lei. Isso requer um certo espírito de aventura e uma capacidade de testar e explorar as lacunas, as ambiguidades, os silêncios e os lapsos que se lhes apresentam.
A propósito de cultura, decadência, e revoluções, e! banda desenhada: testa e explora lacunas, ambiguidades silêncios e lapsos. Nós fazemo-lo com-e-aos cómicos para não perder a prática :)