O sistema estava podre.
Ainda só estamos a folhear em jeito de namoro o primeiro capítulo daquele outro livro que estamos a guardar para as férias e as citações que se sequem são feitas no contexto dos séculos XVI e XVII. Mas antes de avançarmos mais uma linha que seja temos que evidenciar já esta estranha dualidade que o próprio autor expõe no seu primeiríssimo parágrafo: “A Era Moderna começa, significativamente, com uma revolução. É vulgarmente conhecida por Reforma Protestante.” Alegremo-nos pois: quantos mais debates se renderam agora desnecessários quando temos a prova histórica que qualquer Revolução se transforma numa reforma se brindada com sucesso? Revoltem-se, punx: vcs são os reformadores do amanhã.
Agora, em pleno século XXI, ganha quem compreender ao que vimos. Por todos os motivos errados, algo de bom pode ter acontecido hoje. Liga os dots:
Quando as pessoas sentem que os acrescentamentos e as complicações enterram o propósito original de uma instituição, quando se ouviram e falharam todos os argumentos a favor da reforma, os mais reflectidos e activos decidem que querem ser "sarados da civilização".
Nada...? Ou, tiveste o teu momento “ah...!”
# Pausa #
A citação acima é precedida pela referência directa de um conceito que nos é próximo. O seu autor expõe-a sempre em maiúsculas: "PRIMITIVISMO". Well surprise surprise... (vide primeira entrada em "Rewilding").
E é prosseguido por um que nunca o registámos aqui porque o tomámos sempre por adquirido mas quanto mais olhamos para trás - e para a frente- mais nos apetece começar a salvaguardar:
(...) foi também o primeiro toque de clarim a anunciar este altamente conspícuo tema da Era Moderna que é a EMANCIPAÇÃO.
PRIMITIVISMO e EMANCIPAÇÃO, os únicos in all caps so far (hey, ainda nem comecei a ler! gimmie a break!) são os dois eixos que o autor parece eleger como fundamentais à cultura moderna como a conhecemos. Em acelerado e retalhado para os teens em défice de atenção:
"Cultura: que palavra! Até há cerca de alguns anos significava duas ou três coisas relacionadas, fáceis de entender e distinguir. Actualmente é um jargão polivalente, que se aplica a uma miscelânea de coisas sobrepostas. As pessoas falam e escrevem sobre a cultura de praticamente todos os segmentos da sociedade: a contracultura, para começar, e as muitas subculturas: culturas étnicas, culturas empresariais, cultura adolescente, cultura popular. (...)"
Parêntesis aqui para o "artista", destaque nosso porque, enfim, u-guys-know-why!:
os artistas sentem a tentação - ou melhor, o dever- de aderirem a uma cultura adversária; já que o artista é, por natureza, "o inimigo da sua cultura" (...) tal como é "um produto da sua cultura"
Fim de parêntesis. Continuando o mashup:
No fundo deste amontoado, sobrevive a custo o sentido de "cultura" enquanto mente bem formada. (...) Um homem erudito afirmou "A cultura é o que resta depois de teres esquecido tudo aquilo que te dispuseste a aprender".
A virar páginas com uma mão e um copo de vinho na outra: a tentar aprender e esquecer o mais depressa que posso! Mas fechando:
A EMANCIPAÇÃO é um dos temas culturais do nosso tempo, talvez o mais característico de todos. E requer, evidentemente, um número crescente de limitações de modo a impedir que os direitos de cada violem os direitos de outros. Um tema paralelo é o do PRIMITIVISMO. O desejo profundo e recorrente de escapar aos dispositivos complexos de uma cultura avançada.
Ah! a ironia e a tragédia que essa curta síntese implica. Mas queres mais lê o livro. OS POSITIVOS, plano nacional de leitura alternativa para punx e hooligans.
# Fim de pausa #
Não lamentemos: celebremos.
A verdade de determinadas ideias fundamentais assenta no facto de todos as aceitarem sem contestar. Para muitas mentes não existe conforto igual.
Quando as pessoas aceitam a futilidade e o absurdo como coisas normais, a cultura está decadente. O termo não é uma crítica, é um rótulo técnico.
Já o dizemos da última vez, o momento parece certo. Agora, peço-vos que dêem comigo um salto de lógica. Acompanha-me:
Uma cultura decadente oferece oportunidades principalmente aos satíricos.
Feelin’ perky, punk?
E não é assim um tão long reach a outros temas que nos são caros, como, diguemos, oh, i-dunno...: a BD! Imaginem a nossa surpresa e o tamanho do nosso sorriso maquiavélico quando caímos neste parágrafo a meio de uma resenha sobre ainda aquele outro livro de super heróis e vilões que os cristãos e aparentados chamam de bíblia:
Quando o secularismo acabou por prevalecer, as leituras familiares da Bíblia desapareceram entre a maioria, e com elas o pano de fundo de ideias e alusões comuns a todos. Neste papel, o único substituto ecuménico que me ocorre é a tira de quadradinhos do jornal diário.
Bem vos dissemos que o cartoon editorial iz-tha-place-ta-be thiz dayz.
Estamos a dar saltos gigantescos aqui, se a lógica vos escapa perdoem-nos: o álcool começa a atalhar-nos o raciocínio, não é só o sistema que está podre: estamos a escrever em automático com os olhos semi-fechados a maior parte das vezes e só o corrector ortográfico está a salvar o texto - mas se vos parece demasiado pretensiosa a nossa correlação és tu que estás a dormir. Este autor anónimo (sure, why not?) dá-nos (inadvertidamente? e totalmente por acaso) razão no seu post de hoje:
situação curiosa a do pós-25 de Abril, por momentos havia um bocado de tudo e para todos
in Uma Bedeteca Anónima
Situação curiosa indeed.
Dir-se-ia que revoltas em épocas de decadência libertam a energia de pessoas reflectidas e activas em todas as direcções. Onde estão os meus satíricos?
I used to have a library, now I have books