sobre webcomics
O último fabricante de VHS anuncia o fim da produção. Citamos:
"Esta empresa era a única no mundo que continuava a fabricar estes aparelhos para um formato audiovisual considerado obsoleto, depois da generalização dos discos ópticos e de outros sistemas digitais."
Público on Lusa
Na mesma notícia uma menção a uma outra notícia que nos recordou à pouco tempo a marcha inexorável do tempo:
"A decisão (...) chega depois de, em Novembro do ano passado, o grupo Sony ter deixado de comercializar os vídeos Betamax, outro estandarte do vídeo analógico."
Público on Lusa
Numa nota de agência noticiosa em jeito de rodapé para publicação à complacência da imprensa de fim-de-semana termina uma das mais intensas guerras de audiovisuais de um passado recente, e ao mesmo tempo, tão distante.
Esta “marcha inexorável do tempo” cobra mais uma vítima, novamente às mãos do digital: são verdades absolutas de outras eras que caem hoje umas atrás das outras sem sequer um suspiro à sua memória. E ainda que pouca ou nenhuma atenção seja ainda dada a essas matérias, os cómicos também se vêm implicados nesta aragem da “bitmitização” da realidade.
O termo é nosso, ouviram-no aqui pela primeira vez. Um dia destes podemos alongar-nos no quanto é um excelente conceito – kudos to me! Mas hoje não, hoje liguem vcs os dots. Perdão, bits.
Esta peça recordou-nos o artigo publicado há quatro dias no Comics Journal sobre “webtoons”. Aos menos puritanos dos cómicos ou àqueles que se interessam pela evolução digital dos cómicos, e, consequentemente, a evolução dos cómicos no seu todo, recomendamos a leitura. Àqueles que querem saber o que os teens vão estar a ler daqui a 5 anos nos telemóveis, também.
Não lhe apontamos qualquer verdade absoluta ou sequer uma predileção pelo tipo de conteúdo que promove - por via dos seus “transmedia tie-ins” estes assemelham-se demasiado a um “produto”, não uma “BD” per se – mas desconhecendo a realidade coreana é-nos impossível avaliar :)
E o que de especial nos trás esse artigo?
Possivelmente, aponta para uma redenção do Scott “Cuckoo” McCloud e do seu “canvas infinito”, ainda que parcialmente, e apresenta-nos um caminho totalmente díspar que os webcomics nesse lado do mundo estão a trilhar.
Nota: não nos referimos aqui aos comics digitais no seu todo, nesses teríamos que incluir igualmente a simples digitalização da BD tradicional para novas plataformas e aparelhos específicos de leitura ou automatismos de leitura sobre esses (os tablets e/ou os “Comixology” deste mundo e experiências (?) como os Electricomics de Moore).
Primeiro o Scott:
A principal crítica que se faz ao “infinite canvas” resulta da constatação óbvia que este nunca ganhou forma (funny? Canvas infinito que nunca ganhou forma? Ah pérolas a porcos u guys...). Ao invés da imensa liberdade de criação na estrutura da BD que propôs, foi a liberdade na publicação e partilha que singrou entre os comics na web.
Mas os constrangimentos técnicos que lhe vedaram o canvas infinito na década passada já não são um obstáculo hoje. Neste momento apenas nos barra o caminho a vontade de o fazer. Entre aqueles que acompanham a evolução da tecnologia e o reflexo do seu uso entre os macacos sem pêlos que somos, sabemos que qualquer limitação que seja atribuída a constrangimentos técnicos é sempre ultrapassada na nova geração que lhe sucede. O único e real constrangimento à adoção de qualquer novo paradigma começa sempre por ser tecnológico, mas inevitavelmente, iteração atrás de iteração, acaba por se “reduzir” à opção - consciente ou inconsciente – do utilizador, as suas preferências para realizar determinada tarefa.
O que nos trás aos “webtoons”. Na exposição que o autor do artigo nos faz, tendo alguma atenção para não os equiparar simplesmente aos webcomics como os conhecemos nesta parte do mundo – a própria necessidade de constantemente redefinir “webcomics” no inicio de qualquer conversa deveria ser sinal claro que estamos em época formativa de conceitos emergentes – não conseguimos deixar de pensar que na Coreia estão a dar passos de gigante numa direcção que se assemelha ao cenário imaginado pelo supramencionado “Cuckoo”.
Os webtoons coreanos partilham de características dos webcomics como os conhecemos mas afastam-se das suas manifestações ocidentais e japonesas num aspecto muito relevante: o scroll vertical. Eles abraçam esse longo scroll vertical como parte integrante e definidora da sua essência - uma valência que chega mesmo a fazer parte das regras obrigatórias na submissão de comics aos portais online que lhes garantem a publicação. Novamente uma revolução de hábitos saltando completamente alguns estágios intermédios que deste lado do globo ainda nos ocupam: estes comics não são apenas para ler exclusivamente online, mas quase ignoram o monitor do computador para encontrar o seu habitat natural diretamente no telemóvel.
Anedota engraçada porque verdadeira e análoga a esta situação de comportamentos e hábitos que resultam da adopção massiva de novas tecnologias: andamos na Europa e mundo Ocidental há anos a resolver a questão da web mobile e da compatibilização de uma infinidade de sites herdados da era do desktop, e lá chegámos ao conceito do “Mobile First” – ie: conceber sites que funcionem primeiro em mobile e daqui manter a sua compatibilidade para com monitores cada vez maiores, e na China, porque nunca tiveram computadores e saltaram directamente para o telemóvel, “limitam-se” a fazer sites numa filosofia que poderíamos chamar “Mobile only”. Oh, u guys!
Um recap rápido pelo autor:
webtoon as a new media form is a collective innovation that has both changed overall comics culture and secured its place as a leading popular-culture form in Korea
webtoons in Korea appear to have broken away from inheritances from print publication more quickly than have webcomics in other places.(...) two distinctive characteristics of webtoons—verticality and transmediality
(sobre esta última estamos conversados...)
Webtoon’s vertical layout not only changes the artistic features and functions surrounding the gutter space but also alters the way the reader/viewer experiences time and space.
Este é o exemplo mais bem conseguido que nos é apresentado (importante: ver a 100%): http://images.tcj.com/2016/06/5.-Pain_ep.-53.jpg
Ainda que ignorando o “fetish” do “gutter” como alguns autores acusam, e aceitando que um longo scroll vertical não é um canvas infinito, é um salto muito óbvio nessa direcção: de repente quebrou-se o modelo tradicional de webcomics e aventuram-se em novos formatos, puramente digitais, puramente virtuais, sem contraparte numa possível edição impressa. E estamos a falar de um formato massificado popular entre milhões de leitores, não de um nicho para curiosos entre o casamento de BD com tecnologia como as poucas experiências mais avant-garde que por cá se vão anunciado entre alguma pompa e circunstância ou vergonha à mistura.
Compare-se ao modelo de sucesso de webcomics como os conhecemos: normalmente uma de duas categorias - tiras ou o decalque do livro impresso. As poucas variações que surgem sobre estes são a adição de hipertexto ou algum tipo de conteúdo alternativo/escondido (o “alt” nas imagens por exemplo), e os constrangimentos específicos que se podem atribuir à natureza do meio, como a necessidade de fazer sentido da história numa só prancha, todas as semanas, em conteúdos que são serializados ao longo de anos ou acedidos aleatoriamente. Esta “inconveniência” de terminar cada prancha com um “cliffhanger” que force ao retorno do leitor é talvez a principal particularidade dos webcomics quando confrontado com a sua forma em livro, mas igualmente das poucas que os separam. Apesar de toda a sua capacidade para o “transmedia” e multimédia (comics com áudio e vídeo imagine-se...) e interactividade, o modelo massificado de webcomics como os conhecemos não se arriscam das demais vezes para longe do formato da página impressa.
N’OS POSITIVOS - que nos orgulhamos de ter o mais longo comix vertical nos webcomics nacionais - há muito que nos desprendemos da ditadura do papel – que, obviamente nos custará horrores quando a Chilli ou a Polvo ou alguém nos abordar para publicar os “20 anos d'OS POSITIVOS” (pessoal, é já para o ano, comecem lá a fazer chover essas propostas) – e reparámos que em termos de linguagem andamos há algum tempo a trabalhar num estilo que choca front-and-center no lançamento do novo site do NIB também há quatro dias: alguma coisa aqui vos parece familiar? https://thenib.com/the-nib-is-back
It’s evolution baby. Parece-nos que o crescente maior à-vontade com o digital, e o digital-only em que os teens de amanhã serão prolíferos, necessariamente implicará alguma metamorfose à BD como a conhecemos. Ao contrário da literatura ou da pintura ou afins, e tal como os audiovisuais, a BD é um meio muito permeável às novas tecnologias. Como se processará essa influencia é-nos ainda difícil de adivinhar, mas os webcomics desta semana já não nos parecem aquele formato standard ou meramente experimental que eram há duas semanas atrás.
Os puristas torcem o nariz, mas a esses não nos faltam exemplos para abalar as suas crenças: em cinco letras, diz “KODAK” ao fotógrafo amador que montou um estúdio de revelação lá por casa. A fotografia analógica andou por cá uma centena de anos ou mais, e deve ser humilhante que até o VHS - que só apareceu no final dos anos 70 com a qualidade que lhe conhecemos- conseguiu aguentar-se por mais alguns aninhos... Incha.
E na guerra dos formatos, recordamos que o VHS venceu o Betamax, que possuía muito melhor qualidade. Porquê? Porque era mais “acessível”. Voltaremos aqui.
Totalmente gratuito: gostámos desta.
- do I have to?
- every new generation must make its own path
- u comin'?
- "new generation", I'm old school
- can I choose a different path?
- just do it already!