"post-relevant criticism"
"Haverá melhor fármaco, então, que uma nova materialidade para este bálsamo de humor?"
Pedro Moura, História Universal da Pulhice Humana
Na nossa humilde proposta, sim: uma outra materialidade de humor que de tão nova, a novidade lhes escapa.
Interromperemos as nossas férias com o propósito de o registar. Antes: se vamos estar sempre a citar o mesmo crítico temos que lhe começar a pagar avença ou mudar o subtítulo d’OS POSITIVOS para “diálogos com”… O meu reino por um crítico!
Andamos a ler todos os sítios errados? Digam-nos onde encontramos substância além dos suspeitos de sempre - pedimos apenas que mantenham as referências ao digital: não nos reencaminhem para literários do papel impresso porque se os teens não os podem ler no telemóvel é como se os remetêssemos para pergaminhos enterrados à época das Pirâmides: é-lhes chinês.
“Pergaminhos, pirâmides, em chinês”: se apanhaste o erro, ou não és o nosso público-alvo de pimpled teens, ou parabéns, acabaste de te graduar n’OS POSITIVOS. Mas voltando a outras épocas históricas:
A anterior citação conclui o apontamento que o seu autor publica hoje (ontem) online sobre uma obra (re)editada recentemente entre nós. Fazemos aqui um pequeno (longo) mashup:
Persistirá...-
Provavelmente a ideia de que a obra de Vilhena é “grosseira”.
- sendo esse “grosseirismo” apresentado entre aspas já que segundo um dos nossos filósofos contemporâneos, que nos escusamos de sinonimizar ou adjectivar porque existe o risco muito real desta crónica cruzar caminhos com círculos que lhe são próximos:
“a grosseria destrói a finura e o requinte da ironia, esmagando-a numa papa viscosa e repugnante”
Mas Vilhena não é um mero “grosseiro”,
Vilhena não apenas dava no cravo e na ferradura, como em tudo o que pudesse parecer um qualquer conformismo com ideias feitas.
Separámos esta frase da que lhe dá continuidade apenas para artificialmente salientar o “ideias feitas”. Voltaremos a estas, são um conceito fulcral no nosso próprio texto. Mas continuando:
Se houvesse inimigo maior, seria menos a de um regime político, do que a acrítica e apática aceitação com que a classe burguesa aceita as coisas como elas são, porque “sempre foi assim” ou “não fica bem” ser de outra maneira.
Neste livro, sem preocupações de “uma unidade narrativa ou uma consistência qualquer” sobressaem “textos em que o sarcasmo, a ironia e a virulência se unem para criar uma escrita requintada, sofisticada, inteligente e mordaz” no qual “não há grosseria nem falta de forma. Esse seria apenas um efeito superficial, momentâneo, que a leitura ou observação atenta dissiparia” já que “Vilhena não é apenas um desenhador de bonecada em cenas de porno-chanchada, mas um esgrimista da prosa portuguesa que baralha os níveis e devolve uma imagem dolorosa de confrontar”, pois “o ridículo a que Vilhena faz passar todo a história não é feito, de facto, a partir de uma posição de superficialidade ou de ignorância. Bem pelo contrário, a erudição é comprovada pelos mais pequenos pormenores e pela seriedade com que vários factores ou linhas possíveis de inquirição são tentadas”.
Neste momento o tom da obra e do seu autor já vos é familiar, complementamos “apenas” com estes últimos apontamentos para fechar a sua caracterização - porque, enfim, não os podíamos pedir mais a jeito mesmo se os tivéssemos de escrever nós próprios a esse propósito:
O humor de Vilhena, que se expressava por, e explorava, não apenas imagens, mas igualmente textos, colagens, e a própria actividade editorial (recuperando uma verve e vontade que apenas teve um percursor central em Bordalo), era um belíssimo murro na mesa, um “Porra!”, face à letargia que se instalava com outras formas populares de cultura. E pela “linha de baixo”, sem almejar a outra coisa.
Atravessando categorias textuais e literárias tais como as do kitsch, da pornografia, da cultura popular, satírica política e/ou de costumes, de massas, o investigador encontra traços comuns com elas todas, sem dúvida, mas sobretudo faz elevar os traços de uma oralidade desopilante, mas sobretudo e acima de tudo a própria possibilidade de encontrar traços de literariedade na sua obra.
( Dois sobretudos: frio? )
Para além dos desenhos da lavra do próprio autor, Vilhena emprega igualmente imagens retiradas de obras antigas, reproduções de gravuras tiradas quiçá a obras literárias ilustradas ou enciclopédias, colocando-lhes pequenas legendas que operam como um détournement. O autor também não é alheio ao emprego de colagens e construções tipográficas.
Ora. Os teens que nos leem nunca leram o Vilhena e nós próprios só o folheámos esporadicamente quando sofríamos dessa condição (o ser teen). No entanto, e sem sombrear o dito, se substituíssemos “Vilhena” por outro nome igualmente capitalizado a “V”, esta descrição ser-lhes-ia estranhamente familiar. E o mistério adensa-se à hipótese de que “talvez não estejamos errados ao dizer que Vilhena deixou poucos herdeiros, na verdade”.
Aqui a justificação desse deserdar cai pura e simplesmente no vitupério gratuito (“muitos outros autores tentam imitar os instrumentos, mas não compreendem a sofisticação necessária para atingir os mesmos fitos”) pelo que nos escusamos de comentar ademais - OS POSITIVOS: não insultamos os cabrões dos leitores.
---E neste momento temos mesmo que enviar um cheque a Pedro Moura porque nestes 800 e tal caracteres so far o vasto grosso das palavras são suas, mas não podemos terminar esta exposição sem mais duas citações retiradas do seu texto. Gostamos especialmente destas:
“Mas lá está, vem aliar-se àquela re-interpretação indicada acima.”
Lá está, sobre a dualidade de leituras da obra.
“a identificação da “pulhice” antiga servia para mostrar a contemporânea”
Sobre o método.
Exposição feita. Nossa vez. Tentaremos expor em três eixos – OS POSITIVOS,“three is a magic number”: a falácia da ausência de um certo tipo de humor como o descrito exemplificando com a crítica à crítica porque esse é o domínio, e, como sempre, chafurdando entre a finura e o requinte da ironia esmagada numa papa viscosa e repugnante - OS POSITIVOS: ironia repugnante.
legenda s/ détournement
A semana passada o CJ publicou um artigo de Ken Parille, editor do “The Daniel Clowes Reader: A Critical Edition of Ghost World and Other Stories” e outras histórias, e este no seu “Comics Criticism: seven hot takes for Summer 2016” vaticina para o ano que se segue:
“2017 will see the birth of a bold new school of comics criticism”
O título e a ideia base seriam o suficiente para nos obrigar à atenção numa altura em que pouca ou nenhuma conseguimos reunir para qualquer outra leitura que não a nossa eleição de verão – e esta arrisca-se a prolongar a sua estadia ao inverno pelos piores e melhores dos motivos: o pouco tempo que nos resta e o interesse que nos desperta- e logo a primeiríssima linha na introdução é um daqueles click-baits que nos desarma de tão concludente: “grow up”.
“It was the bane of the comics connoisseur: the “Comics Have Finally Grown Up” article. Enlightened readers know that for decades, if not centuries, cartoonists around the world have been creating sophisticated art for smart folks, young and old. Thankfully, that article, of which there were too many for too long, has fallen by the wayside.”
Nota: qualquer destaque nos excertos que se sigam são nossos.
Publicámos o nosso refutar aqui e estamos convencidos que teremos sido dos primeiros a fazê-lo nesta pobre desculpa para um país: deixemos pois à História o embaraço de se apontar uma qualquer outra autoria para os corrigir com um sorriso de lado-a-lado mal escondendo o nosso desdém. OS POSITIVOS: “já aparvajávamos com os cómicos antes de isso ser uma cena” (TM).
Ken complementa o lugar comum que a BD “não é para crianças” com o também já aqui batido “e também não é só para os juvenis”, mas bate-nos na novidade maior do seu raciocínio com um “unless”.
Arriscamos que mais tarde ou mais cedo por aqui provavelmente nos ocuparíamos desse “unless” de qualquer modo -e note-se a total ausência de humildade da nossa parte! – mas damos-lhe o crédito de o ter articulado quando ainda nos era apenas um aftermath fugidiço e disforme de outras correlações. A menção justifica-se para arquivo futuro:
But an equally specious think-piece is emerging to fill the vacuum: the “Comics Can’t Grow Up Unless It Promotes the Kinds of Things I Like” essay. Of course, the writer never puts it quite that directly.
E para um maior mérito do autor devemos ainda salientar que este acolhe a nossa simpatia por razão do seu posicionamento ao crítico. Na sua versão mais sucinta:
Critics and reviewers like to grant themselves a preeminent role in “the growth of art.” I accept my place as a second-class participant, a well-meaning parasite who leeches off of the work of my artistic and creative superiors. I could do worse.
E, na sua versão mais extensa, à qual nos socorremos da referência que faz de um outro seu artigo: “2014’s critic of the year”. O interlúdio justifica-se, pela relevância do tema - e, como sempre, no contexto dOS POSITIVOS mas essa fica para os scholars daqui a 100 anos.
Sobre a importância da internet diz-nos o Ken:
The Internet seems to have brought into being a new type of critic: The Millennial Literalist. A product of the 21st-century’s asphyxiating instantaneous reaction culture, the ML’s motto is Read then Rant.
Tendo lido, vamos rantar – e não nos esquecemos que também havemos de nos debruçar primeiro que outros sobre a BD no digital e a sua bitmitização, com particular atenção aos webcomics, ainda que o tema pareça já estar batido entre as cabecinhas bem pensantes mas perfeitamente fora de alvo. Na continuação do anterior:
MLs repeatedly tell us that they critique art because they want to expose bad ideology and make a better world, noble goals we should all embrace. And yet, I’m not sure how being jerkish online elevates the community.
Quem nos segue nas nossas diatribes aos cómicos reconhece a atitude, mas só aqueles que cá aterram ao engano se deixam ainda iludir por ela. Glorificamos neste espaço a crítica pela negativa porque não há ausência de literatura no seu oposto. A atitude é recorrente, parte do arsenal, e o Ken(ny-boy) resume na interrogação:
Does the internet make bullies of us all?
Já desmistificamos no passado a interpretação subjacente aOS POSITIVOS para gentio ler: a resposta dependerá da intencionalidade de cada um no ajuizar dos desígnios por detrás dos actos. Ken é (infelizmente) ainda mais cândido com os leitores e fornece-lhes descaradamente a chave dessa leitura. This river runs deep(er):
Or not. The Millennial Literalist, of course, isn’t an idiosyncratic expression of this new century’s technological fetishes and addictions. Time-travel back two millennia to 380 B.C. and we’ll find the ML’s father-figure and kindred spirit in Plato’s Socrates.
Ken retorna a Platão/Sócrates. Poderia ter-se regressado à “Pré-história”, “Egipto” e “Judeus”? Provavelmente. Segue-se a explanação em maior detalhe. A ler duas vezes, pelo menos, por segurança - três se tb sofres dessa predilecção:
Like all absolutists, Socrates and MLs resist the multiplicity of interpretation. Cousins of the biblical literalist, they yearn for certainty, demanding a text be static, meaning only what they say it means. Because if it can legitimately communicate different, and even contrary things, then we can’t attack others for feeling differently about it. We might have to — and eventually want to — work with others to generate new understandings, the kinds of complex interpretations we could never generate on our own.
Totalmente gratuito, não relacionado ao ponto que hoje fazemos, mas já que aqui estamos :) na continuação dessa citação o autor acrescenta:
And yet, I get the ML, I really do. It feels good to use criticism as an occasion to broadcast our aesthetic awareness and moral superiority (and receive the instant validation of “likes” and “favorites”). No matter what the price (to others, to ourselves, to art), the world will know this: We are Arty and Upright!
Ao qual nos acrescentamos, obviamente: fuck artsy-fartsy + we don’t do “likes”.
Se dúvidas restam, e para gentio ler, este é, e tem sido, o embuste n#1 n’OS POSITIVOS - e, Ken, u just blew it for us all, ’brigadinho:
We live in a culture in which buzzwords often do our thinking for us. I’m saying we should resist this. My guess was that buzz-word-obsessed readers would instantly fixate on this term and ignore what I actually said. If it was a trap, some folks charged right into it, kind of proving my point. Perhaps that makes me a bad person.
Busted...!
Por “buzzwords” atacamos as ideias feitas versão teen milénio dois: a identificação da pulhice contemporânea para mostrar essa mesma pulhice contemporânea, se quiserem. O humor grosseiro aberto a reinterpretações mais complexas persiste hoje, mas críticos como Pedro Moura procuram correspondências literais onde essas não existem porque se metamorfosearam conteúdos e públicos que exigem outra interpretação e outra definição de literatura. Vilhena não tem herdeiros óbvios fora dum “substrato contínuo de alfarrabistas” onde a sua obra “continua verificável e viva” na exacta medida em que poucos ainda verificam se aí há vida, enquanto novos leitores procuram outras formas de humor grosseiramente irónicas em formatos mais próximos de si: ie, publicam-se fac-similes quando os putos 'tão agarrados ao telemóvel. Se a ironia escapa retornamos aos Comics Journal:
a small but intrepid cadre of critics will proclaim that the only true way to rebel is to reject what seemingly every online critic yearns for: relevancy. Members of this new breed, who style themselves (somewhat pretentiously) as “Hermeneutic Escapists,” will leave behind our world’s dreary and ceaseless flow of “hot topics” and “hot takes.”
Há pelo menos duas leituras possíveis à afirmação anterior: uma pela positiva outra pel'OS POSITIVOS: esta última deixamos aberta à interpretação de quem aqui chegou.
Mas fazemos o nosso mea culpa: senhoras e senhores, se dúvidas havia – e recordamos que da última vez que visitaram este mesmo espaço debruçávamo-nos avidamente sobre cómicos em mais um episódio de COMICS! et al. no qual simplesmente interrompemos a meio a futilidade do exercício - aproximamo-nos do fecho de mais uma crítica de crítica de cómicos sem por uma vez sequer nos debruçarmo-nos ante qualquer BD: também praticamos o escapismo hermenêutico: OS POSITIVOS – ahead of tha curve em tratados de BD sem BD totalmente alheios à relevância de qualquer tópico. Poderemos no entanto pelo meio e diversas vezes implicitamente ter sugerido uma BD em particular - my bad.
Eeee este gaijo vai à água.