Em contracorrente abraçámos o formato longo, e nesse propósito, ainda de embalo do nosso parêntesis de ontem -vide "um certo estado de desilusão que nos assiste por graça da gravidade do momento"-, falemos hoje de um género próximo, o "ensaio pessoal". Especificamente, de como este se tornou um espécime raro. Se falharmos em evidenciá-lo no discorrer das nossas observações, esta é uma fábula pelo DIY e pelo escrever por gosto, não por obrigação.
Do The New Yorker, definição do objecto, e sua maleita actual:
They were too personal: the topics seemed insignificant, or else too important to be aired for an audience of strangers. A specific sort of ultra-confessional essay, written by a person you’ve never heard of and published online, that flourished until recently and now hardly registers. The change has happened quietly, but it’s a big one: a genre that partially defined the last decade of the Internet has essentially disappeared.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Mudança de hábitos e respectiva afecção cultural.
E não se considerem livres de pecado.
Even those of us who like the genre aren’t generally mourning its sudden disappearance from the mainstream of the Internet.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Na era do Facebook o long read pessoal em sítio próprio é tão uncool como a cassete quando o CD invade o mercado.
Aquilo dos hábitos que mudam e artefactos culturais que os implicam.
São modas, esperaremos pelo seu regresso e fazemos por esse - nOS POSITIVOS cumprimos a nossa quota-parte: insistimos nos ensaios pessoais ainda se enterrados várias camadas abaixo nas teses. E fomos pioneiros em canais de comunicação alternativos:
The genre’s biggest migration has been to TinyLetter, an e-mail newsletter platform. TinyLetters are doing what personal blogs did fifteen years ago: allowing writers to work on their own terms and reach "small readerships in an intimate, private-feeling, still public enough way."
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Familiar? Yeah, we-that-good: aquilo do adivinhar o futuro. Mas temos que distinguir entre o que prevíamos, e o que nos apanhou de surpresa. Em duas partes, o pessoal, o business. Se não estás interessado no rationale podes saltar já para o fim.
I
DO PESSOAL E IMPESSOAL
Do up-&-comin' e subsequente decay do género. Começa com o DIY, a vontade de fazer e os meios para o fazer.
Consider what gave rise to the personal essay’s ubiquity in the first place. Private blogs and social platforms—LiveJournal, Blogspot, Facebook—trained people to write about their personal lives at length and in public. "People love to talk about themselves, and they were given a platform and no rules."
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
E velha história de sempre, devidamente seguido daquilo do $$$ e da apropriação do género.
Then the invisible hand of the page-view economy gave them a push: Web sites generated ad revenue in direct proportion to how many "eyeballs" could be attracted to their offerings. By September, 2015, online first-person writing was so abundant [it] could refer to a "first-person industrial complex" in a takedown of the genre. One could "take a safari" through various personal-essay habitats—Gawker, Jezebel, xoJane, Salon, BuzzFeed Ideas—and conclude that they were more or less the same, there were far too many "solo acts of sensational disclosure" that read like "reverse-engineered headlines."
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
E down-down-down it goes.
But an ad-based publishing model built around maximizing page views quickly and cheaply creates uncomfortable incentives for writers, editors, and readers alike.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Na peça associam o género maioritariamente a autoras, no feminino. A nossa oportunidade para ilustrar o exemplo desse desconforto anterior:
The online personal essay began to harden into a form defined by identity and adversity. The commodification of personal experience was also women’s territory: many women wrote about the most difficult things that had ever happened to them and received not much in return. Personal essays cry out for identification and connection; what their authors often got was distancing and shame.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Fastfoward presente e mais um prego no caixão, novamente pelos nossos frenemies habituais, os media.
Some of the online publishers that survive have shifted to video and sponsored posts and Facebook partnerships to shore up revenue. Personal essays have evidently been deemed not worth the trouble.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
O not worth the trouble é enviesado com outra razão, enter parte 2.
II
AGORA TUDO É POLÍTICA
Dêem-nos o crédito de termos iniciado as nossas teses antes do Trump, mesmo se rapidamente nos apercebemos do maná que esse se tornava no tópico do jornalismo e debate analógico-digital. O que não previmos e nos embarcou no mais recente capítulo dOS POSITIVOS foi o impacto da sua eleição cruzada às novas tecnologias em outras frentes. Como a dos ensaios pessoais:
After the Presidential election, many favored personal-essay subjects—relationships, self-image, intimate struggle—seemed to hit a new low in broader social relevance. The personal is no longer political in quite the same way that it was. Individual perspectives do not, at the moment, seem like a trustworthy way to get to the bottom of a subject.
Writers seem less interested in mustering their own centrality than they were, and readers seem less excited at the prospect of being irritated by individual civilian personalities.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
IE, o fim do "eu" nos blogs coincide com a sua multiplicação nas redes sociais onde se desdobram em registar todas as suas variantes à luz de qualquer razão que se encontre - e o filtro que a acompanhe. Na frente dos média o que não ecoa a Trump ou política significativa, não guia atenções:
"I feel like the 2016 election was a reckoning for journalism. We missed the story. Part of why we missed it might have been this over-reliance on ‘how I feel about the day’s news’—and now the journalism world recognizes that we need to re-invest in reporting."
"The political landscape has been so phantasmagoric that even the most sensationally interesting personal essays have lost some currency when not tied head-on to the news, there just hasn’t been much oxygen left for the kinds of essays that feel marginal or navel-gazey."
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Na lógica do capitalismo tudo se apropria -haveremos de chegar ao MF (*)-, o underground não é aquilo que lhe escapa mas o que lhe está em contra-ciclo. Exemplo: nós. Mas não somos os únicos, uma pequena -cada vez mais reduzida- resistência, uh, resiste.
* MF = Mark Fisher, de Marcos Farrajota já a seguir.
Do final da peça base citamos um excerto que vos é próximo.
I find myself missing aspects of the personal-essay Internet that the flashiest examples tended to obscure. I still think of the form as a valuable on-ramp, an immediate and vivid indication of a writer’s instincts. I never got tired of coming across a writerly style that seemed to exist for no good reason. I loved watching people try to figure out if they had something to say.
in "The Personal-Essay Boom Is Over" 18 maio 2017
Senhores, então? Façam um pequeno exercício de memória: porque começaram a fazer fanzines? Façam a ponte, dêem o salto, apropriem-se do digital. Mah punx?! E cómicos, a internet não precisa de ser um espaço de divulgação acéfala. Olha o Isabelinho. Olha o Farrajota. Olha o Isabelinho e! o Farrajota. Sigam o exemplo.
SMALL PRINT:
...até onde o exemplo se aplica. De Isabelinho e MF -o ‘tuga-, keep up tha good work, mas notamos ainda o fetiche do papel.
And I'll pubish your texts later, if not as official book as a bloody pirate xeroxed zine!
in "My 25 Favorite Comics" 23 maio 2017
Essa valorização do papel -a vontade de paginar neste o que está online, grátis, e em formato mais cómodo, prático, próprio- só se entende pela atribuição de um valor acrescido implícito ao gesto. Somos insuspeitos de querer depreciar um fanzine xeroxado – estiveram a ler-nos?- mas recordamos-vos que um outro canal de comunicação surgiu no entretanto ao qual os que o deviam valorizar se escusam. Questionemos esse valor acrescido da sugestão de MF. Este, parece-nos, propõe-se a responder à necessidade de uma hipotética-e-perfeitamente-artificial (in)disponibilidade dos textos. Imaginemos uma reversão da importância de tal gesto se algo que existe em digital não pode ser transposto para um rol de folhas agrafadas: essa impossibilidade torna o valor das ditas muito relativo, muito depressa. Se os escritos que Isabelinho promete podem ser facilmente reproduzidos em papel, um outro fanzine nativamente digital que faça um uso pleno do meio não o será mais. A haver escolha, às preferências de cada um; a não haver relação, não hierarquizamos as alternativas. A sugestão de Farrajota ainda sugere esse juízo de valor. E valores. Mas, aquilo das tecnologias e modas que passam…
E de modas que passam e ensaios pessoais em formato alongado, não podemos ignorar entre as referências dos que resistem publicando textos merecedores da nossa atenção aqueles de um outro crítico de BD que vão à estampa electrónica no LerBD. Mais espaçados no tempo, mais alongados no monitor, tememos que os seus objectos de estudos e escritos subsequentes já padeçam preocupações demasiado particulares aos seus ensaios pessoais para encontrar entre as putativas audiências quem as acompanhe com sentido de oportunidade. Voltamos à advertência inicial, "mesmo aqueles que gostam do género..." Mas dessas modas, tratamos aqui:
A anulação de quaisquer textos resulta pura e simplesmente da sua não leitura.