CAPÍTULO II:
“E se organizasses um protesto e toda a gente aparecesse?”
Imagem: "Vapor" por Max
Mark Fisher começa o segundo capítulo no seguimento do gangster rap e da "super-identificação" à mais predatória das faces do capitalismo como exemplo extremo para imediatamente demonstrar que o mesmo realismo capitalista pode coexistir no pólo oposto: na sua própria contestação. Recorrendo a Žižek e parágrafos antes de introduzir Baudrillard, defende que o anti-capitalismo encontra-se perfeitamente disseminado entre o capitalismo, o qual não só convive sem sobressalto com essas forças antagónicas como as absorve no seu folclore, processo pelo qual se renova sem se reformar. Enter Jean Baudrillard por via da sua visão de controlo e comunicação, onde a subjugação já não ocorre enquanto subordinação a um espetáculo externo mas no convite à participação. Um exemplo Disney/Pixar depois e estamos novamente no reino da ironia: as sátiras feitas ao capitalismo que o reforçam sem o desafiar – conceito de interpassividade por Robert Pfaller: escapes que cumprem os nossos impulsos anti-capitalistas por nós e que nos permitem continuar a consumir com impunidade feita a catarse por delegação. Desenvolvendo de Žižek, desde que acreditemos ( "nos nossos corações") que o capitalismo é mau, somos livres de participar neste e o capitalismo subsiste perfeitamente bem com essa estrutura de desaprovação. Confrontados à sua crítica directa e não podendo mais alegar a inconsciência das suas perniciosidades, MF identifica a ideologia do mesmo como o seu mecanismo de defesa. Uma que, novamente, reverte ao subliminar e contrapõe à propaganda aberta do fascismo ou estalinista pois ao contrário desta não só não precisa de ser explícito como também não depende das crenças subjectivas dos indivíduos, podendo mesmo substituir com sucesso sem que ninguém tenha forçosamente que "fazer o caso por ele". Novamente Žižek e a sociedade pós-ideológica, e nesta a ideologia prevalecente é o cinismo (*).
* Como no capítulo anterior, as comparações aos P+ devem contemplar aquela distância que nos separa.
Da ideologia e do cinismo pós-moderno: a ideologia que este vincula não é uma ilusão que mascara a realidade mas uma fantasia (subconsciente) que estrutura essa realidade, e assim continuamos a ser uma sociedade ideológica, incapazes de ver além dessa fantasia (*):
Even if do not take things seriously, even if we keep an ironic distance, we are still doing [it]
* Em recap, portanto: P+, distâncias, e o keep doin’ it...
Nessa base defende que os movimentos anti-capitalistas também sucumbiram ao realismo capitalista:
- Mesmo no seu auge antes do 11 Set foi-lhes impossível formar uma alternativa coerente;
- Demasiado focados em minimizar os excessos do capitalismo, poucos esforços no sentido de o substituir.
Duas tendências que promovem o protesto em vez da organização política, e novamente nos larga em tópicos próximos deste espaço – por alguma razão estamos a ter esta conversa :) Protestos, e manifestações. Que, para MF, se tornaram numa espécie de barulho de fundo carnavalesco ao capitalismo. E esta poderia ser a deixa à introdução das nossas teses mas continuaremos a acompanhar Fisher que está agora focado no protesto institucionalizado –palavra nossa para distinguir de outros protestos mais caóticos – com exemplo do Live 8. Esmiuçado e regurgitado em termos filosóficos – ou Freudianos?- MF vê nesse tipo de evento o protesto contra um "Pai" malévolo com acesso a infinidade de recursos e dos quais não partilha. Mas essa figura é uma construção da parte protestante, da qual depende para força e revindicações, e da qual as elites que beneficiam da globalização dispensam e evitam com sucesso identificar-se. Por esta altura é claro que MF faz depender da crítica ao capitalismo uma introspecção inicial entre aqueles que se propõem fazer esse combate:
To reclaim a real political agency means first of all accepting our insertion at the level of desire in the remorseless meat-grinder of Capital.
Apenas identificando a nossa cumplicidade ao sistema o podemos derrotar: este é simultaneamente uma estrutura interpessoal híper-abstracta e uma que se renderia inútil sem a nossa cooperação neste –a ponto de, ironicamente, se poder dizer que as elites políticas são nossos servos pois apenas existem para nos saciar das nossas necessidades e desejos, despossados como se não fossem nossos. Sem alternativas reais ao capitalismo e, pelo contrário, ao considerá-lo a única possibilidade real com a qual a entender-se, deixamo-nos enredar na fantasia de que através do consumismo ocidental – intrinsecamente implicado nas desigualdades que assolam o planeta – se podem resolver as suas consequências nefastas -
All we have to do is buy the right products.
...ainda "Vapor" por Max
Fim de cap.