CAPÍTULO V:
"Não te apegues a nada"
Desenvolvendo da politização da saúde mental e capitalismo: Mark Fisher distingue entre a instanciação neuronal das doenças mentais e as suas causas, anteriores e exteriores ao indivíduo, exigindo uma explicação social e por conseguinte política. A ontologia que governa a sociedade moderna nega a possibilidade de uma origem social dos distúrbios mentais considerando-os do foro individual, um problema químico-biológico inerente ao sujeito – uma recusa da qual recolhe inclusive grandes benefícios: os mais imediatos e palpáveis na forma de lucros crescentes de uma indústria farmacêutica e serviços derivados, e implicitamente a atomatização do indivíduo reforça a ideologia da qual o capitalismo prospera. Pela politização da saúde mental o autor espera encontrar a possibilidade de desafiar o realismo capitalista nas suas discrepâncias ao Real, e tece paralelos entre as políticas neoliberais e o aumento exponencial de stress mental registado na população das sociedades mais implicadas nessas, principalmente na banalização –como em "cada vez mais comuns"- de perturbações do foro psicológico. Regressando à esquizofrenia como limites extremos do capitalismo (Deleuze e Guattari), cita Marazzi e as desordens bipolares como aflição central do Capitalismo – ele próprio bipolar nas suas oscilações incessantes de crescimento e queda, e sobretudo porque como nenhum outro sistema social que o precedeu se alimenta e simultaneamente reproduz os estados de espírito das populações.
Voltaremos ao Marazzi mas enter Oliver James com o seu "The Selfish Capitalist", no qual conclui após a investigação feita que o aumento significativo dos últimos 25 anos (*) é atribuível às politicas e cultura inerente do sistema identificado no título do seu livro.
* Isto das datas: contas à publicação original do livro, não à nossa...
The Selfish Capitalist toxins that are the most poisonous to well-being are the systematic encouragement of the ideas that material affluence is the key to fulfillment, that only the affluent are winners and that access to the top is open to anyone willing to work hard enough, regardless of their familial, ethnic or social background – and if you do not succeed, there is only one person to blame.
Nota extra: no mesmo excerto acima reproduzido, imediatamente antes é-nos dito que uma pessoa nascida em 1958 tinha mais hipóteses de progressão social através da educação que uma pessoa nascida na década de 70. Ah, educação + $$$ gone wrong.
Voltemos pois a Marazzi com uma analogia que nos servirá de introdução às comparações de MF entre Fordismo e pós-Fordismo, dois tipos de capitalismo na fronteira dos quais se abre a possibilidade de desconstrução do seu pressuposto realismo pela corelação às doenças mentais. Como os judeus do antigo testamento libertos da escravidão no Egipto, diz-nos, os trabalhadores modernos deambulam agora livres no deserto, abandonados e confusos sem saber para onde se derigir. Ou, em analogia pop mais markfishiana, a diferença entre fordismo e pós-fordismo adiantada na distinção entre os filmes de gangsters de Francis Ford Coppola e Martin Scorsese, e o "Heat" de Michael Mann. Notamos, tudo filmes de gangsters. Se os primeiros retratam uma atmosfera de tradições, relações, famílias, lealdade, o último é estéril em qualquer tipo de apego pessoal: todas as relações são profissionais e desprovidas de sentimentos pessoais. Se o "Padrinho" remete para uma ligação às raízes ancestrais, os criminosos de "Heat" não possuem história ou afinidade com a sua cidade – uma cidade também desprovida de referências e toda ela um longo conglomerado de franchisings que se estende até onde a vista alcança. Neste não existe um chefe mafioso que preside a uma hierarquia barroca governada por códigos de conduta herdados de uma tradição de honra e respeito, são agora especialistas empreendedores-especuladores, técnicos do crime sem elos familiares que apenas se encontram unidos pela perspectiva de lucro futuro. O seu arranjo é temporário e pragmático, compreendem a sua posição de peças substituíveis numa maquinaria maior sem qualquer garantia, em choque frontal com os goodfellows sedentários, sentimentais, indissociáveis da comunidade a que pertenciam. Como num sistema fordiano, os trabalhadores estão fixos à sua função dentro de uma comunidade estável, no novo sistema pós-fordiano estão por sua conta e sem amarras ou elos aos restantes – ie, flexibilidade, ie, precariedade. Enter consequências. Richard Sennett e o "The Corrosion of Character: The Personal Consequences of Work in the New Capitalism": já não existe "longo termo", onde antes o trabalhador podia adquirir um conjunto de competências e progredir numa cadeia hierárquica rígida, agora salta de emprego em emprego, função em função, obrigado a readquirir novas competências, embebido em modelos hierárquicos intencionalmente descentralizados que tornam impossível o planear de um futuro a longo prazo - segway à saúde mental.
No capitalismo fabril a comunicação sem controlo entre trabalhadores ocorre apenas nos seus tempos livres – momentos de pausa, casa-de-banho, fim do dia de trabalho, quando estão envolvidos em algum acto de sabotagem–, no late capitalism o fluxo de informação torna-se a nova linha de montagem -as pessoas trabalham comunicando- contribuindo não só para o clima de vigilância entre pares como para a dissolução da fronteira entre trabalho e vida pessoal. Essa desintegração de padrões estáveis de trabalho e a restruturação de modelos de produção e distribuição afecta o sistema nervoso dos indivíduos. Parte consequência dos desejos dos trabalhadores de não estarem presos toda a sua vida à mesma fábrica –esse desejo tem implicações na forma como a esquerda pode ou não apresentar-se como alternativa ao novo -vêem-se de repente empregados num sistema de trabalho de curto-prazo que privilegia a produção just-in-time e incapazes de prever e planear o seu futuro –instabilidade institucionalizada.
Fim do presente chapter. Próximo: da relação da saúde mental e paralelos que podem ser feitos entre a incidência de doenças mentais e os padrões de avaliação de performance dos trabalhadores num sistema de exploração pós-capitalista.
Iniciamos esta série de registos com a letra dos The Coup, por esta altura parece-nos apropriado regressar a essa em toda a sua plenitude. Dos teens, sem opções ou aborrecidos pelo matrix de estímulo anti-social que os força à procura do prazer, da educação, dos docentes e autoridades, das falsas esperanças e profecias que se cumprem, do sistema, de químicos e outras substâncias medicação e farmacêuticas, do bipolar, da precariedade, do realismo capitalista e falsas realidades, de gangsters, crime e castigo, do $$$, de elites, C.E.O.s e precários, de controlo e vigilância, da atomitização do indivíduo e das comunidades, do trabalho, da sua ética e dos futuros possíveis, do consumo e do materialismo, do gangster rap e do hip-hop – o overlap é enorme como o MF há que remeter para exemplos de cultura popular.
Dizia-nos Oliver James:
"In the entrepreneurial fantasy society, the delusion is fostered that any one can be Alan Sugar or Bill Gates.
O Boots Riley confirma:
We're taught from the cradle, the Bill Gates fable.
E o chorus faz-nos repetir em uníssono:
Tear down your state, go get yo' guns, get your work up: we are the ones
♪ We, we are the ones
♪ We'll seal your fate, tear down your state, go get yo' guns
♪ We, we came to fight
♪ It's yo' disgrace, smash up your place, that's just polite♪ We, we are the ones
♪ We'll seal your fate, tear down your state, go get yo' guns
♪ We, we came to fight
♪ It's yo' disgrace, smash up your place, that's just polite♪ Once upon a time when crack was gold
♪ And hip-hop was not yet platinum sold
♪ I scoured the streets for stacks to fold
♪ My mood like my hair was relaxed and blowed♪ I hated police and my teachers were beasts
♪ My heat in the trunk of the classic Caprice
♪ The one university, I knew the deal
♪ So I cooked it, bagged it, put it on sale♪ Now philosophically you'd be opposed
♪ To one inhaling coke via mouth or the nose
♪ But economically I would propose
♪ That you go eat a dick as employment froze♪ And I felt like an abandoned child
♪ Left to fend for myself in the wild
♪ While every courtroom, judge and gavel
♪ Were there to bury me under the gravel♪ Or at the bottom of the finest malt ale
♪ Observe, you'll find without fail
♪ That in every neighborhood and penitentiary
♪ There exists many others who are similar to me and♪ We, we are the ones
♪ We'll seal your fate, tear down your state, go get yo' guns
♪ We, we came to fight
♪ It's yo' disgrace, smash up your place, that's just polite♪ In later years I lost some peers
♪ Who mixed burners with Belvedere
♪ And took shots from gung-ho cashiers
♪ The world was cold yet hell was near♪ So I seek for a kilo
♪ And my stack got a little bit taller like Skee-Lo
♪ A street C.E.O.
♪ There was all of this hell well and not one hero♪ The intensity was fortified
♪ As I clenched five digits on the forty-five
♪ Barely down at the retail store, I would detail more
♪ But I don't wish this action to be glorified♪ There was a plan I was eager to listen
♪ To not sleep in the park in the fetal position
♪ Having to wipe off canine fecal emission
♪ Otherwise I'd survive without legal permission♪ It's an equal division and then we go to prison
♪ Which is a little decision
♪ All I wanted was a Regal to glisten
♪ And my kids would have meat in the kitchen
♪ And complete ammunition
♪ It's a given once the people are driven that♪ We, we are the ones
♪ We'll seal your fate, tear down your state, go, get yo' guns
♪ We, we came to fight
♪ It's yo' disgrace, smash up your place, that's just polite♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up♪ We are born from the mildew, the rust, the heathenous lust
♪ The dreams in the dust, the evidence flushed
♪ The grieving is just, they're thieving from us
♪ Insulted and cussed, this evening we bust♪ Appears unstable and under the table
♪ We like free speech but we love free cable
♪ We're taught from the cradle, the Bill Gates fable
♪ Which leads to high speeds in Buick LeSables♪ We have no excuses just great alibis
♪ And poker faces you can't analyze
♪ Our politicians sell our soul and our cries
♪ With blood on their hands, they can't sanitizeWe're the have-nots but we're also the gon'-gets
Not just talkin' 'bout the Lex with the chrome kits
You can get that by yourself with the four-fifth
Let's all own shit then toast with Patron hits♪ We, we are the ones
♪ We'll seal your fate, tear down your state, go, get yo' guns
♪ We, we came to fight
♪ It's yo' disgrace, smash up your place, that's just polite♪ We, we are the ones
♪ We'll seal your fate, tear down your state, go, get yo' guns
♪ We, we came to fight
♪ It's yo' disgrace, smash up your place, that's just polite♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up
♪ Get your work up, get your work up