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realismo capitalista 7

CAPÍTULO VII:
"Realismo capitalista como dreamwork e transtorno da memória"

Não tão teórico como o capítulo anterior mas igualmente poético. Adiantando já conclusões para facilitar o resto da leitura: as desordens de memória são uma analogia convincente para as falhas no realismo capitalista, e o dreamworks (*) o modelo para o seu bom funcionamento, capaz de produzir uma consistência confabulada que cobre todas as anomalias e contradições do capitalismo.

* Dreamwork: psicanálise, processos (deslocamento, distorção, condensação e simbolismo...) pelos quais o inconsciente altera o conteúdo dos sonhos para esconder o seu significado real ao sonhador.

Pelo meio: realidades, boa gerência, cinismo, neoliberais vs/e neoconservadores.

Mark Fisher contrapõe à definição tradicional de realidade -algo de único, imutável, sólido- o realismo capitalista, capaz de se transfigurar a qualquer instante - comparável a um documento digital que pode ser editado em qualquer momento e nenhuma decisão é final. Nessa fluidez, o bom manager deve ser capaz de se adaptar às novas realidades à medida que elas se desenrolam, muitas vezes em contradição com as anteriores que lhe precederam - contradições que ele não  não repudia, antes acomodada num processo que o nosso autor descreve como semelhante ao de um sonho. Para MF esta é uma estratégia desenvolvida pelo manager para lhe permitir manter-se mentalmente estável perante uma realidade tão maleável como é o capitalismo, caracterizável como uma permanente instabilidade. Essa estratégia é, obviamente, cínica, apenas possível na ausência de qualquer capacidade crítica e reflexão. O cumprir cínico das directivas de uma autoridade burocrática já foi anteriormente abordado na separação entre o "fazer sem acreditar no que se faz", distinção da actividade subjectiva interior e o comportamento exteriorizado do indivíduo, no qual o manager pode mesmo ser hostil ao maquinismo do sistema mas nas suas acções perfeitamente complacente com esse – e, como então se notou, é justamente esse desinvestimento subjectivo que lhe permite continuar a desenvolver o trabalho que considera desmoralizante e inútil. De considerações à saúde mental do trabalhador é um sopro: num sistema tão propício à incerteza, onde realidade e a identidade sofrem upgrades como software – ie, precariedade-, o "esquecimento" é uma estratégia de sobrevivência adaptativa.

O esquecimento torna-se assim também um refrão emergente da ansiedade cultural, um que MF avança na equiparação da capacidade do manager de transitar de realidade em realidade aos mecanismos que nos conformam os sonhos: dreamworks, psicanálise, Freud, Kant, Nietzsche - quando o real é demasiado insuportável a realidade torna-se uma manta de retalhos inconsistentes, mas, e fundamental à exposição de Fisher, essas confabulações são consensuais.

Um Jameson pós-moderno sobre filmes como "Bourne" e "Memento" depois, e estamos no domínio do "presente contínuo": limitados à memória formal das competências necessárias e na ausência de uma memória narrativa - a cultura privilegia o presente e imediato, e essa extirpação estende-se não só ao futuro mas também ao passado. Toda a realidade é submetida à mudança perpétua do imaginário da moda e dos media, armadilha na qual nada se consegue realmente mudar, paradoxo do ritmo sem paralelo de mudança a todos os níveis da vida social que se desenrola em paralelo com a maior sistematização / uniformização na história da humanidade – instabilidade social e económica que, e citando a (de/re) territorialization de Deleuze e Guattari, resulta numa ânsia  por formas culturais familiares.

Terminado com um exemplo da paridade improvável de realidades incompatíveis que um véu de esquecimento consente, as contradições ente neoliberalismo e neoconservadorismo registadas por Wendy Brown em "American nightmare: neoconservatism, neoliberalismo, and de-democratization": como podem estes dois sistemas co-existir quando o neoliberalismo se pauta por uma amoralidade expressa de meios e fins, e o neoconservadorismo expressamente moral e regulatório?

How does a project that empties the world of meaning, that cheapens and deracinates life and openly exploits desire, intersect one centered on fizing and enforcing meanings, conserving certain ways of life, and repressing and regulating desire?

Aquilo do esquecimento. Extrapolando, o que une neolibs e neocons é a sua objecção ao Nanny State e os seus dependentes: os primeiros não se opõem ao Estado – vide os bailouts da crise de 2008- mas a certos usos que o Estado faz do seu $$$; os segundos querem um Estado forte mas apenas reforçam gastos no militar e policial desinvestindo no estado social. A incoerência político-racional não impede a simbiose político-subjectiva: ambos minam a esfera pública e democrática, produzindo cidadãos que procuram soluções em produtos, não em políticas.

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