Dita-nos a lógica que antes de retomarmos o meado à história dos comics nos detenhamos um breve momento na história da Arte. Obriga-nos nova hipótese, um debate a que nos escusamos fora da intersecção à banda desenhada: será a arte, Arte? Ela própria objecto de um constante revisionismo ditado pela percepção social de cada época, costumes e valores, a sua mutabilidade é garante da renovação necessária aos gostos, capaz de, em extremo, reconhecer os comics entre os seus pares se revoluções suficientes demoverem atitudes. Podemos até supor que não seria necessário à banda desenhada trair as suas origens ou abdicar da sua essência para ingressar nas boas graças das elites culturais, bastaria a renovação ou a tonificação dos seus enquadramentos culturais. O exacto motivo que inicia a mudança da percepção dos comics entre adultos - hélas, um processo que sabemos coagir a banda desenhada numa reciprocidade que a arrisca descaracterizar.
A alta cultura prossegue o seu calvário de decadência, a academia renova tendências, novos artistas produzem obras decadentes à luz das novas tendências. Podemos então equiparar banda desenhada e Arte quando já nenhuma o é fora dessa relação e compreender a presença da primeira em espaços institucionalmente comprometidos com a segunda: galerias, museus, exposições e eventos que se esquivam ao fandom habitual sem cosplay à vista. Podemos igualmente compreender porque autores contemporâneos descomprometidos com a tradição histórica da banda desenhada desta se servem com o mesmo à-vontade que no passado os predispunha à pintura ou escultura, fotografia ou vídeo, eventualmente o digital, os videojogos, afins.
À estranha metamorfose conseguida nos art-comics -não exactamente comics, não exactamente arte- não atribuímos mera capitulação à hegemonia de uma alta cultura em processo de apropriação de artefacto alheio, ainda aqui o mérito deve ser pendurado pelo lado da banda desenhada. Uma arte rasteira munida de um arsenal mais eficiente, qual horda de bárbaros com os olhos postos em novas glórias, invade instituições que dão-se a ares de respeitabilidade mas incapazes de deflectir o assalto. Como tal, abrem-lhes os portões a contragosto.