O mito democrático enraizado no folclore popular não transformou a natureza dos regimes, apenas requintou os seus meios, e quem detém o poder não o usa no interesse dos seus povos mas em seu próprio proveito. Vivemos numa sociedade capitalista, cuja própria definição implica que os ganhos de uns são as perdas de outros, e quanto mais uns ganham, muitos mais têm de perder. Não se trata de um defeito do sistema, mas da sua maximização. Um desejo imenso de acreditar na democracia como o sistema menos imperfeito de todos mantém um véu de conformismo ao processo como se esse por si pudesse escapar à deformação que o tomou, impedindo-nos de procurar adiante. Continuamos a trocar direitos por mais deveres, e quando os colunistas de opinião a soldo debaterem abertamente a retirada do direito de voto aos que beneficiam de qualquer prestação social saberemos que a plutocracia não precisa mais de enovelar os seus propósitos no discurso democrático sem receio dos coros da indignação. No berço do capitalismo procuram-se já hoje formas de limitar os direitos de votos a grupos específicos, pouco faltará para as nossas almas luminárias procurarem adaptar a tendência à nossa realidade.
A autoridade sempre se impôs pela violência: por vezes com o consentimento dos violentados, outras vezes sem necessidade desse formalismo. A violência sofisticou-se, hoje consentimo-la, mas até quando pedirá permissão?