Isabelinho definha a sua esperança na perfeição.
Ficámos nas definições. Definando então. Em poucas décadas por vir a nossa relação ao livro enquanto suporte default de texto e imagem será colocado em causa pelo uso prático de outras soluções. Os primeiros a separar-se da sua materialidade serão os pulp que empanturram as grandes superfícies - os seus leitores não se demorarão pelo livro, interessa-lhes o conteúdo e preço, e irão lê-lo onde o for mais acessível e cómodo, e cómodo de descartar quando terminada a leitura. Os últimos a ir os que já não conseguirem justificar o preço do processo de plantar, arrancar e processar árvores nas poucas fábricas que ainda sobrevivam de um mercado cada vez mais arcaico - e ainda custear o seu transporte ao destino final, a haver ainda espaços físicos para os expor...?
Será o livro uma inevitabilidade final, ou apenas mais um estágio nos inúmeros formatos de leitura que nos acompanham desde a invenção da escrita? Aos românticos, quantas das razões que nos prende ao livro se devem a este per se, e não à insuficiência das alternativas que lhe são comparadas? Voltemos à evolução da tecnologia: quantas objecções ao digital voarão janela fora num só swipe se, no lugar de "ecrãs" em "aparelhos", discutimos outras superfícies como o sempre adiado santo graal, o papel-digital? Sobrevive o nosso amor a molhos de folhas e tinta quando surgirem materiais mais leves e maleáveis, simultaneamente descartáveis no impulso de uma vontade ou perduráveis para além da decadência do papel? Quanto seguro estás da superioridade natural do livro quando todos tiverem nas mãos uma substância maleável como o papel, barato como o papel, mas versátil em usos, capaz de replicar as funções de um computador e descarregar qualquer conteúdo?
Da relação livro / digital para outras datas, notamos apenas que embora o papel ainda tenha um papel (!) importante na sociedade moderna ninguém pode negar o espectro que espreita no horizonte. Já hoje os media, o mais óbvio domínio do papel na consciência colectiva da humanidade, são um emaranhado complexo de integrações analógicas e digitais, uma revolução que apenas nos anos mais recentes se começou a tornar mais agressiva, em muitos mercados irreversível e de consequências dramáticas, forçando à restruturação de diversas indústrias, modelos de negócio, e em última instância hábitos de consumo e suas ovelhas.
A banda desenhada está especialmente posicionada no centro das transformações tecnológicas que restruturam o próprio funcionamento da nossa sociedade. Não que tenha qualquer valor que lhe empreste mais importância do que aquela que teens, nerds, artsys e outros marginais lhe consigam investir, mas porque enquanto meio, estão no meio da mais poderosa confluência de tecnologias que ditarão mais este momento de evolução da humanidade. Na guerra de formatos por vir, a BD é um canário de mina.
E por falar em mina (*), estamos confiantes de encontrar aqui algum valor:
Comics as a system (...) came into being as a consequence of the invention of the press and other mechanical reproduction techniques such as engraving, lithography and photocopying. The Internet and its related digital technologies are affecting and challenging our understanding of culture, knowledge, information, and art, and logically comics are no exception. Nevertheless, the impact of digital and Internet technologies on comic book culture has been distinct. (...) Webcomics and digital comics as electronic publications (...) are undeniably part of comic book culture but at the same time belonging to a more recent tradition of electronic multimedia texts.
Ernesto Francisco Priego Ramírez in "The Comic Book in the Age of Digital Reproduction" nov 2010
* Continuamos a não quer depender de fontes académicas, mas se da última vez citámos um "Digital Humanities Quarterly", why stop now? E o sujeito adiantou-se dead-center às nossas teses: "The Comic Book in the Age of Digital Reproduction"...? Fuck-fuckin'-fuck fuuuck!
Do mesmo documento, a necessidade de reinterpretar comics et digital.
Reading as cultural practice is becoming more important than the book as an object. This is the context in which digital comics and webcomics appear; a kind of discourse against which comics scholars need to reify comic books' textual and material specificity.
Ernesto Francisco Priego Ramírez in "The Comic Book in the Age of Digital Reproduction" nov 2010
Dessa especificidade, ninguém o foi primeiro que o senhor que nos ocupará de seguida. Voltando à introdução e racional das Humanidades Digitais e bd:
A great deal of comics scholarship examines these individual elements in the context of the aesthetics, architectonics, and grammar of comics—how comics work, the systems and semantics, the structural components, the mutual dependencies of text and image, and how these textual and graphic components function together to convey information, narrative, plot, character, etc. Perhaps the most well-known and influential such study is Scott McCloud’s Understanding Comics.
in "Comic Book Markup Language: An Introduction and Rationale" 2012
Comics: juxtaposed pictorial and other images in deliberate sequence, intended to convey information and/or to produce an aesthetic response in the viewer.
Scott McCloud in "Understanding Comics" jan 1993
E todos sabemos a que conclusões chegou o dito senhor sobre o futuro dos comics em digital. Obviamente, seguimos ao canvas infinito quando voltarmos.
--Perhaps we can shed some new light on the history of comics.