Um último suster de respiração antes de nos ausentarmos de BDs por largas semanas: Domingos Isabelinho (com uma breve referência a Leonardo de Sá) e Artur Coelho publicam no mesmo dia e nos seus respectivos sítios dois artigos sem aparente relação que - na tradição dOS POSITIVOS - vos relemos a relacionar.
Em curto, Isabelinho continua a recuperar posts antigos, no último questiona uma concepção mais abrangente à BD procurando pistas no passado. Direcção oposta e atento a horizontes futuros, Artur Coelho partilha novos textos sem menções a bandas desenhadas mas informado de várias linhas mestras (*) que nos parecem necessárias à redefinição das abrangências que ocupam o crítico anterior. Em ambos, aquilo dos essencialismos.
* Tech-wise, a "arte" enquanto outra possibilidade de eixo à discussão fica fora de debate: o próprio a descarta com um "vago background em Belas Artes, resquício dos tempos das minhas ambições de adolescente".
I
Isabelinho, "The Expanded Field of Comics And Other Pet Peeves" 9 jul 2018
Exactly seven years, one month and two days after it was first published, this, one of my most beloved texts, returns home, to its crib. Unfortunately it reminds me of my old me, and how passionate he was.
...mas porque paixão é nome do meio - temos muitos -, insistimos. Da BD para os putos, mesmo se "diz-que-não" ...
I certainly don’t agree that an infantilization of grown-ups’ cultural habits means that people can’t cope with the complexities of modern society, it may simply mean that comics readers want (for a while) to escape those complexities.
- é "sim".
Only now did I understand the true meaning of the phrase “comics are not just for kids anymore.” What it really means is that popular comics, even if they continue to be children’s comics, are also enjoyed by adults. With the above phrase and other similar ones people from inside the ghetto of the comics subculture want to sell a false image to the laymen and laywomen (it was now definitely proven to me that the above reading is the right one or they’re lying).
Coloca-nos hipóteses a expandir os comics:
There are, at least, five cultural fields which can help to expand comics as an art form: (1) Medieval (or older art) painting and book illustration; (2) the wordless engraving cycle; (3) Modern and Post-Modern painting; (4) Concrete and Visual Poetry; (5) the cartoon. None of these fields are linked to comics on the gentiles' heads.
...e brevemente examina cada uma dessas objecções. Terão que ler, mas descobrimos que já tivemos uma fase de "Concrete and visual poetry" sem que nos tenhamos apercebido. Aqui fica o nosso contributo, algures em 2004, resquícios de outros tempos.
"O Ponto"
Resumo da definição de comics, mashup em acelerado onde não devem confundir a brevidade do excerto com leviandades em implicâncias.
The comics origin's myth is essentialist: it's an arbitrary choice that's based on an equally arbitrary definition.
The two more common (or so it seems to me) kinds of definitions are based on social (comics must be reproduced and distributed to the masses) and formal premises (essential characteristics of comics are sequentiality, word and image relations, the word balloons, the juxtaposition of the panels, etc...).
- Social definitions of comics have two problems: [yadda yadda yadda, e sobretudo] there's a third point: how come an original comics page is not a comic, but an exact repro is? Leonardo de Sá cleverly argued this point saying: the original art is not a comic the same way as the repro of a painting is not a painting.
- Formal definitions of comics have problems: (1) Any formal definition arbitrarily chooses some features and forgets others. (2) All art is based on experiment. More inventive artists are always pushing the limits of their art forms. Comics are no exception.
O enunciado acima permite-se à descoberta de novos comics, mas ao contrário da proposta de Isabelinho propomos que façam esse exercício de olhos postos no futuro. Aqui, tratamos com Artur Coelho.
II
Artur Coelho do aCalopsia que bloga no Intergalactic Robot in "As ferramentas de imagem e a ilusão da realidade: um Gabinete de Curiosidades" 9 jul 2018
Not comics related at all!, trata de -
Técnicas de criação iconográfica que se relacionam diretamente com uma das problemáticas mais pertinentes da nossa vida digital: o como as imagens nos enganam.
- excepto para aqueles que como nós procuram do desenvolvimento futuro da BD por vias travessas. Digam-nos se vos é familiar:
Notícias, populismos, neonazis, intensas diatribes que parecem marcar um discurso de retrocesso do progresso social, científico e económico (...) qual é o papel das imagens, especificamente pela forma como podem ser construidas e manipuladas, disseminadas quase instantaneamente na sociedade em rede?
Ou reconhecem esta:
Alie-se a isto uns mass media em desagregação, cujo papel aparentemente inabalável de árbitros de ideias se pulverizou entre a multiplicidade de novas fontes e o decair dos media tradicionais nas estratégias do clickbait.
Mesma permissa, portanto:
No epicentro destas tendências está a imagem, especialmente na forma como pode ser usada como vetor otimizado de transmissão de ideias.
E roça tantos outros tópicos que nos/vos são recorrentes:
Ai's
O que mais intriga neste tipo de experiência é a forma como questiona a humanização inerente à arte, uma daquelas áreas de atividade humana que acreditamos imunes à inteligência artificial precisamente pela combinação de mestria individual, pensamento e carga emocional que só os humanos parecem capazes de atingir.
Punx
Quem o faz, por razões religiosas, ideológicas, ciberguerra ou apenas para se divertirem, dos jihadistas aos trolls adolescentes do 4chan, sabe muito bem como tirar partido dos enviesamentos pessoais para utilizar a imagem como arma.
Punx vs Ai's
Tecnologias de processamento avançado de imagem baseadas em IA levam-nos a questionar a fiabilidade das imagens que visionamos, mas quando queremos influenciar mentes não necessitamos de grandes recursos. Aqueles que utilizam a imagem como arma nas técnicas de propaganda digital não recorrem a grandes aparatos técnicos, preferem iconografias low tech apropriadas e descontextualizadas que apelam aos enviesamentos ideológicos e cognitivos dos seus alvos. Os memes são a forma mais conhecida deste tipo de uso de imagem, verdadeiramente viral, admitidamente como arma de desestabilização social.
...e deduções próximas:
Se há algo que as redes sociais nos demonstram, é que as abordagens visualmente rudimentares são tão ou mais eficazes.
Memes virais, que tocam nos nossos preconceitos e enviesamentos, são simples de criar. Armas pouco sofisticadas mas altamente mortíferas nas guerras ideológicas que encontraram nas redes sociais o campo de batalha perfeito.
... assim como práticas próximas das nossas:
Este é um tema transversal, que não se restringe a áreas específicas e compartimentadas. Para aqueles que gostam de fazer, de criar, talvez uma boa abordagem seja atrever-se a desafiar os alunos a descobrir o que está debaixo do capô. Ficar a conhecer como se produzem imagens, por meios digitais, e descobrir como estas podem ser manipuladas, entre os meios mais exóticos e os rudimentares.
Mas com as hesitações mais próximas do Isabelinho:
Como fazer? Adoraria ter resposta na ponta da língua. Não tenho, apenas o sentimento que a literacia da imagem é fundamental na formação do sentido crítico.
in Artur Coelho
I have no definition of comics whatsoever. I prefer to say with Saint Augustine: If no one asks me, I know what they are; If I wish to explain them to him who asks, I do not know.
in Domingos Isabelinho
O primeiro, dado às ciências, refugia-se em sentimentos. O segundo, dado às humanidades, socorre-se com santos. Outros falam-nos de poder, complexidade, hegemonia e criatividade. Nós chamamos-lhe Autenticidade. Retomemos com Artur:
Hoje, face à intensidade com que somos bombardeados e às técnicas de criação, entre rudimentares e sofisticadas, como é que poderemos ter a certeza que aquilo que os nossos amigos partilham online é fiável e verídico, e não um eco do trabalho de meme warriors, bot farms ou propaganda de ciberguerra?
É complicado. Terminamos com Isabelinho,
Denying essentialism we can look back or look around and find great comics.
OS POSITIVOS: we-be lookin' forward.