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Laclau e Mouffe

Parte 2 de 3 no parafrasear editado de Jeremy Gilbert, "Anticapitalism and Cuture - Radical Theory and Popular Politics" 2008. Antes, o disclaimer necessário:

The discussion here should not by any means be regarded as an adequate summary of the totality of these writers’ works, excellent introductions to all of which are in print, and of course, there is never any substitute for reading philosophical texts for oneself.

Do nosso par de hoje, Laclau e Mouffe surgem-nos na emergência de novos movimentos sociais e declínio do trabalho organizado e respectivas formas de socialismo associadas, assim como à proliferação de novas exigências  políticas de uma variedade de grupos, e igual improbabilidade de um qualquer projeto único que englobe essas revindicações. Jeremy G divide a sua exposição em alguns conceitos-chave. Destes.

Hegemony

No "Hegemonia e Estratégia Socialista" 1985 Laclau e Mouffe apresentam as suas noções de hegemonia - termo-chave surgido das obras de Antonio Gramsci e amplamente utilizado em diversas teorias políticas e estudos culturais (Gramsci ocupa-se dessa concepção entre democracias populares com uma cultura de media em desenvolvimento) - no seu mais alto nível de abstração, i) simultaneamente sujeitado o conceito ao seu exame mais rigoroso e ii) aquele que mais decisivamente o destacou do contexto marxista na lógica original apresentada de Gramsci: a) parte genealogia do termo à medida que evolui através marxistas internacionais, Lenine e Gramsci, b) parte avaliação de toda a tradição teórica comunista à luz da teoria pós-estruturalista.

Erroneamente interpretada como "domínio" ou "controle", é mais adequadamente subentendida como significando "liderança": aplica-se no contexto de uma concepção de política como coligação entre diferentes grupos sociais que dependeriam da liderança de forças políticas para alcançarem algum grau de sucesso comum, igualmente relevante para os grupos sociais que já estão no poder e o pretendem manter como para as forças políticas que os desafiam. Os primeiros exercem uma variedade de meios para persuadir os grupos subalternos (não hegemónicos) a aceitar sua hegemonia, seja pela força bruta ou por várias formas de suborno e persuasão. Os últimos enfrentam a difícil tarefa de persuadir um grande conjunto de forças sociais, geralmente heterogêneo, a aceitar sua liderança sobre a do grupo atualmente hegemónico. Em ambos a política não se resume a eleições ou aparatos militares: tenta-se conquistar corações e mentes de vários outros grupos sociais de qualquer forma concebível. A cultura torna-se assim arena de luta
entre diferentes forças sociais e seus projetos políticos. Hint-hint, wink-wink:

Gramsci explicitly argued that it would be necessary for radicals to make a thorough and serious study of all the elements of the culture which they inhabited so as to be able effectively to constitute a counter-hegemonic force

Simplificando argumentações, resume-se: a hegemonia que se desenvolve do pensamento de Gramsci implica um distanciamento de qualquer concepção de política como meramente a expressão de luta subjacente a grupos sociais distintos e definidos (ya know: "luta de classes"). Nesse ponto distingue-se de Max mas depara-se com as dificuldades de Lenine em conseguir uma revolta proletária num país de camponeses. Lenine teve de reorientar marxismos em direção à política como um processo ativo que molda as identidades de seus participantes, em vez de apenas expressar as identidades pré-existentes. A concepção de hegemonia de Gramsci segue mais além desenvolvendo um novo vocabulário político para abordar os tipos de grupos que se arrolam em lutas políticas. Laclau e Mouffe argumentam que, embora o próprio Gramsci permanecesse preso dentro de uma estrutura essencialista de classe, ele desenvolveu suficientemente o conceito de hegemonia ao ponto de implicitamente já subverter essa mesma estrutura.

Essentialism

Laclau e Mouffe desejam dispensar completamente qualquer vestígio de "essencialismo", outro termo amplamente utilizado em teorias culturais e políticas, mais comummente usado para referir qualquer noção de identidade racial, género, étnica, nacional ou sexual como essencial, substituindo uma igual noção determinada social ou historicamente. A sua abordagem anti-essencialista depende da suposição de que nenhum objeto possui uma identidade significativa e fundamental: no seu lugar, o ser social depende da sua situação num sistema de diferenças relativas das quais derivam sua identidade.

Apontam-se duas fontes principais.

1) Antropólogos do final do século XIX e início do século XX sugerem que a linguagem constitui uma visão global do mundo, e filósofos desde o início do século XX têm argumentado que experimentamos toda a realidade através das categorias de linguagem que usamos não apenas para comunicar mas pensar - exemplo: Wittgenstein. A concepção de linguagem de Ferdinand de Saussure é dado como a influência mais evidente: linguagem como sistema de diferenças onde que cada termo só tem significado em virtude de suas diferenças para com outros termos. Laclau e Mouffe transcrevem esse modelo de como a linguagem funciona para um modelo de como funciona toda a experiência social.

2) A suposição de que se a linguagem é um sistema de diferenças sem termos positivos, então a realidade social deve ser a mesma. Essa suposição provoca toda uma série de problemas filosóficos - a natureza precisa da relação entre a experiência, a linguagem e o mundo material é uma fonte inesgotável de debate filosófico -  MAS! muitos pensadores acreditam que as categorias linguísticas e discursivas moldam a forma como vivenciamos a realidade e que nunca poderemos ter acesso ao mundo material real a não ser pelas categorias da linguagem. O que -é-nos dito- em si mesmo não é uma ideia terrivelmente controversa.

Discourse

Discurso é mais um termo chave na teoria política e cultural contemporânea, referindo-se a qualquer prática socialmente significativa ou a qualquer conjunto relativamente coerente de ideias sobre determinado tópico e às práticas que o manifestam, reproduzem e são informadas por. Laclau e Mouffe fazem uso dessa terminologia para desenvolver ainda mais uma certa tendência no pensamento de Gramsci, longe de suas raízes no marxismo: a política não é uma luta entre classes sociais, mas entre complexos de prática social significativa, ie, entre discursos.

A principal diferença para com o marxismo clássico está na atenção dada às questões psicológicas que esse ignora. O marxismo clássico supõe, em grande parte, que as pessoas são criaturas racionais às quais se pode confiar que atuem nos seus melhores interesses materiais, desde que sejam adequadamente informadas sobre esses. Mas Laclau e Mouffe são influenciados pela psicanálise e pela suposição de que os seres humanos são, na melhor das hipóteses, apenas ocasionalmente motivados pela razão. As pessoas, especialmente em grupos, muitas vezes lutarão para defender um sentido de si mesmas e do seu lugar no mundo – ie, uma identidade – de forma tão temerária como lutariam para defender seus interesses materiais aparentes.

Exemplo ilustrado: Primeira Guerra Mundial. Milhões de trabalhadores preparados para morrer pelo seu país mesmo se cruelmente explorados pela elite governante desse e contra colegas de trabalho que nunca lhes causaram qualquer dano.

Essencial do Discurso.

A implicação política fundamental do seu anti-essencialismo dita que simplesmente não há conexões naturais inerentes e inevitáveis entre diferentes conjuntos de demandas políticas: se quisermos criar conexões políticas entre diferentes projetos e diferentes grupos, essas conexões resultarão de um processo ativo. Rejeita-se a possibilidade de compreensão das formações sociais como totalidades plenamente conhecidas, coloca-se enfâse na importância de reconhecer a complexificação das relações sociais dentro das sociedades capitalistas avançadas como o terreno necessário da luta política contemporânea.

Complexity is the central feature of social relations

Ao argumentar que toda luta política deve ter caráter hegemónico, não argumentam que esta exige a dominação total de um campo social ou uniformidade ideológica interior, mas o seu oposto: simplesmente não há agentes históricos autocontidos que se possam alistar com sucesso em tal projeto. Não há um antagonismo singular, e toda a identidade política / cultural / social é fragmentada, cruzada em relações complexas com outras identidades. Quaisquer estabilizações temporárias do campo político que podemos chamar de hegemónicas só podem ser alcançadas através de processos de articulação.

Articulation

Articulação, outro conceito-chave, sinónimo de conexão onde política se entende na articulação de termos entre si em sequências ou cadeias altamente imprevisíveis. A luta hegemónica surge então como a busca de tais termos comuns de referência e quase sempre envolve alguma transformação parcial das identidades de todos os grupos que entram em coligações articulatórias:

"We will call articulation any practice establishing a relation among elements such that their identity is modified as a result of the articulatory practice’"

Universality

Laclau contribui para a teorização da universalidade em filosofia política contemporânea: projectos geralmente definidos como aqueles que aspiram a abranger toda a raça humana. Comparações:

  • Pensadores pós-modernistas como Lyotard tendem a condenar todos os universalismos como inerentemente totalitários, suprimindo a diferença e o desacordo com sua visão de verdade.
  • Em sentido inverso autores como Alain Badiou argumentam que toda política radical deve ser de natureza universalista se quiser ir além da mera defesa de "particularismos".
  • Laclau oferece uma abordagem mais complexa apontando que toda forma de universalidade é sempre contaminada por alguma particularidade da qual deriva, e que a elevação de um particularismo a um universal é uma das manobras hegemónicas fundamentais.

Segundo Laclau, a exemplo do comunismo como discurso político universalista, esse eleva um dos traços ao status da base universal sobre a qual uma identidade política comum poderia ser formada: nesse o discurso da luta de classes central para o comunismo identifica um aspecto de uma pessoa - o trabalhar assalariado - e procura fazer dessa sua condição a base de uma identidade política que pode ser compartilhada por todos que possuem a mesma essência, identificando-os como membros deo proletariado.

Infelizmente, de uma eficácia prática por demonstrar: historicamente, as diferenças sociais e culturais entre as pessoas que trabalham e a atração de identidades nacionais e religiosas que cruzam as linhas de classe têm sido grandes demais para se mostrar persuasivas. Deste ponto de vista, o anti-capitalismo contemporâneo pode ser entendido como um substituto muito inteligente do discurso da luta de classes, precisamente porque oferece espaço para uma identificação comum entre todos os que sofrem sob um neoliberalismo sem depender de qualquer particularidade mais substancial.

Psicos: empty signifiers

Influenciado por uma corrente psicanalítica de pensamento que vê os grupos unidos pela identificação comum de seus membros a algum símbolo, imagem ou nome relativamente arbitrário - Freud argumenta que os membros de um grupo se unem pela "identificação comum com um líder" - Laclau desenvolve a subsequente lógica numa descrição fecunda da centralidade de "significantes vazios" para o discurso político. Esses são símbolos ou termos compartilhados por uma comunidade que passam a significar literalmente nada ou quase nada: diferentes discursos políticos vinculam os seus projetos a esses significantes vazios, lutando para se tornarem a fonte efetiva do seu conteúdo mas quanto mais definido o significado de tal significante menos vazio ele se torna e menos pode cumprir a sua função de maneira simples.

The question this leaves open is how radical democrats should relate to this situation. What kinds of empty signifiers should they identify with and what should they do about the fact that they know that these signifiers are merely empty?

Mouffe argumenta que comunidades democráticas caracterizam-se justamente pelo vazio do seu centro, e que este é publicamente reconhecido e institucionalizado. Em vez de um líder ou de um único credo, exatamente no lugar onde as comunidades não-democráticas têm algo fixo e estável, as comunidades democráticas têm uma disputa interminável entre ideias diferentes sobre o que devem ser e para onde devem ir. Nessa perceptiva, a imposição de um visão ideal da comunidade que lhe fixe o futuro, congelando a possibilidade de contestação que é a própria substância de democracia em si, uma ameaça a evitar.

Empty signifiers: psicos

Do problema com as formulações de Laclau e Mouffe, sempre segundo JG.

Pela perspectiva de Deleuze e Guattari, o trabalho de Laclau e Mouffe permanece fechado num horizonte psicanalítico que só aborda uma parte muito limitada do amplo espectro da experiência humana: estes ignoram a dimensão rizomática que todas as relações sociais compartilham, dando pouca atenção ao modo como as relações de poder emergem e se cristalizam a partir de baixo.

A tradição psicanalítica da qual extraem seus relatos dos mecanismos da comunidade tende a ter uma concepção decididamente negativa do social. Em Freud subentendido por L+M não há espaço para qualquer noção de solidariedade real entre os membros de um grupo ou entendimentos de comunidade, estes insistem no antagonismo como não apenas inerente, mas constitutivo de toda a vida social - verdadeiro problema na perspectiva específica do movimento anticapitalista e da sua preferência por formas de organização horizontais. Não é suficiente apenas argumentar pelo vazio do lugar do líder, é certamente necessário conceber grupos – no mínimo - potencialmente sem liderança e unidos por relações de solidariedade entre seus membros.

Ainda do abismo de Laclau e Mouffe a Deleuze e Guattari: uma clara diferença encontra-se nas suas concepções contrastantes de desejo. Laclau e Mouffe estão fortemente comprometidos com a formulação lacaniana que compreende o sujeito humano - coletivo ou individual - como constituído por uma falta inerente. Para Deleuze e Guattari, pelo contrário, o desejo é a própria produção.

Chegados ao segway para desenvolvimento em próxima entrada, um dos temas-chave não abordamos extensamente entre Laclau e Mouffe: a criatividade.

Criatividade

Encadeiam-se Peter Hallward + Lacan + Mouffe: a criatividade nunca ocorre num vácuo. Se é social, então é relacional, emergindo das interações complexas e imprevisíveis entre as coisas e as pessoas.

In the case of anti-capitalism, the difference between Laclau’s articulated demands and Deleuze’s creative desire might be the difference between organising a complex coalition to demand that the World Trade Organisation stop imposing neoliberal policies on third world countries and start assisting with progressive development programmes, and running off into the Oregon wilderness to live in a teepee and meditate. This is probably a crude reading of the differences but it is worth keeping in mind.

Se Laclau e Mouffe - pensadores especialistas de complexidade, hegemonia e poder - têm pouco a dizer sobre a questão da criatividade, então Michael Hardt e Tony Negri raramente parecem pensar em outra coisa.

part 3